quarta-feira, 8 de junho de 2016

TRÊS PEÇAS ESCOLHIDAS, DE EDUARDO CAMPOS: DRAMAS URBANOS EM CENA



Eduardo Campos (1923-2007) é um dos nomes mais conhecidos e foi um dos homens de letras mais trabalhadores do Ceará. Com quase uma centena de títulos – livros, artigos e crônicas para periódicos, além de outras produções –, este cearense de Guaiúba destacou-se pelo constante trabalho cultural nos campos da literatura, do teatro, da história e de diversos outros saberes, sintetizando o que se poderia chamar de polígrafo, um escritor que produz em diversos gêneros e setores do pensamento, sem deixar de privilegiar o espaço que escolheu para viver: a cidade de Fortaleza, tema de inúmeras de suas obras.
A consagração veio pelo teatro num período em que as filas para ver “O Morro do Ouro” e “A Rosa do Lagamar” ultrapassavam os limites do imaginável, sendo um dos preciosos momentos da vida cultural fortalezense. O reconhecimento como escritor para teatro se deu por meio da publicação das suas peças, tanto em separado como em volumes que reúnem seu teatro completo, além de Três peças escolhidas (2007).
Como o título já anuncia, trata-se de uma seleção de textos dramatúrgicos, talvez dos melhores que o autor produziu. As peças giram em torno de temáticas urbanas, tomando Fortaleza como espaço das ações, mais especificamente a realidade das camadas mais pobres da população, simbolizando uma existência que não se circunscrevia apenas à dos personagens ali implicados, mas de muitos fortalezenses desvalidos.

Aliás, pode-se falar numa dimensão simbólica dos personagens, mais visível em alguns nomes presentes em “O Morro do Ouro”: Madalena (referência à Maria Madalena bíblica), Zé Valentão (como o nome já diz, um homem, cujo maior atributo é a suposta valentia), Seu Fortuna/Ezequiel (nomes adequados às situações profissionais do personagem, vendedor de apostas do jogo do bicho e, depois, de santinhos), além do procedimento de não nomear alguns personagens, tais como o Aleijado, a Mulher (deste), a Monitora, com a utilização de termos mais genéricos. Em “A Rosa do Lagamar”, a protagonista, apesar de ter saído do bairro de origem, não consegue se livrar do complemento ao seu nome, Maria Galante faz jus ao “galante” de seu nome, pois é namoradeira.
Cada um dos textos apresenta uma problemática social nada simplória, sendo ainda atuais algumas das críticas apresentadas. Na primeira peça, mostram-se as condições de vida num bairro pobre, o descaso e a exploração das autoridades, a hipocrisia da caridade forçada das classes abastadas, a suposta redenção pela fé e pelo apego à família. Já na segunda peça, surge o problema da moradia, do analfabetismo, do esfacelamento familiar e da intransigência do poder em relação à condição do outro, quando este outro é o pobre. Na terceira, “A donzela desprezada”, apesar do título um tanto ingênuo, apresenta uma temática nada ingênua, pois trata das desventuras de uma moça, num meio social hostil à verdade, na tentativa de segurar o namorado, fazendo, no entanto, uma severa crítica à imprensa e sua sede de notícias ruins, explorando, sobretudo, o vale-tudo da ocultação do que é verdadeiro.
O que as três peças têm em comum é a revelação do universo das populações pobres numa Fortaleza que parece avessa a fazer a partilha das benesses do desenvolvimento. Neste sentido, as problemáticas urbanas experimentam o vigor de uma dramaticidade urgente nas peças, concebidas em diálogos curtos e diretos e cenas que revezam os costumes, o cotidiano e a angústia das transformações ocasionadas por lances inesperados que a vida prepara para seres que, embora fortes, são abandonados à sua própria sorte.
A paisagem coletiva nas peças identifica-se com a postura naturalista de escritores como Aluísio Azevedo (em O cortiço) ou Adolfo Caminha (em A normalista), embora o teatro de Eduardo Campos não pertença a este período. Na verdade, o autor e seus textos identificam-se mais com o advento do moderno teatro brasileiro (que tem na figura de Nelson Rodrigues seu nome mais significativo) e, mesmo, com o teatro social ou engajado (representado pelas figuras de Oduvaldo Viana Filho, Plínio Marcos, Gianfrancesco Guarnieri e outros). Com suas peças, Eduardo Campos construiu uma cidade que precisava ser mostrada como uma espécie de grito indignado, sem final feliz.

CAMPOS, Eduardo. Três peças escolhidas. Fortaleza: Edições UFC, 2007.

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