sábado, 5 de setembro de 2009

Materialidades 1 - TRANSATLÂNTICO, de Mariana Marques


Antigamente, ao ver alguém com livro bonito, bem cuidado e diferente nas mãos, era comum ouvir de alguém que se pretendia “intelectual de verdade”: “Ah, mas isso aí é só pra enfeitar estante...”. Pois bem, depois que as letras e as palavras foram ganhando materialidades virtuais, sem a mesma concretude do objeto, o livro teve que se reinventar, exatamente por meio de um trabalho que associa palavra e arte, no trabalho de escritores e profissionais e artistas da área gráfica, atiçando ainda mais o “amor táctil”, sobre o qual falou uma vez Caetano Veloso.

Quem frequenta este blog sabe que, vez por outra, tenho me manifestado a respeito da materialidade dos livros, assunto que me interessa desde os tempos do Mestrado em Literatura Brasileira (UFC); aliás assunto que aprendi com Clarice Lispector, que de certa forma me mostrou que as diversas materialidades do livro falam tanto quanto os textos que eles contêm. E, sim, eu gosto de livros bonitos. Definitivamente. E eles enfeitam minhas estantes, sim, mas também enfeitam o meu tempo livre, ao dedicar-lhes uma leitura prazerosa, sonhadora e atenta. Sempre nesta ordem. Daí é que vem esta ideia fixa, o livro como objeto, e uma vontade, escrever sobre isso. E começo.

O primeiro escolhido é uma novela: Transatlântico, de Mariana Marques (Ed. La Barca, Fortaleza, 2009, 56 p.), que descobri neste ano de 2009 e cujo texto devorei muitas vezes, respirando toda a sua poesia verbal (o que não minimiza o fato de ser uma narrativa em prosa), ao lado da poesia de uma composição gráfica pensada e arquitetada artisticamente (primoroso projeto gráfico de Álvaro Beleza). O livro foi feito como a lembrar os passaportes e os moleskines, numa associação clara às ideias de viagem, de travessia e de ultrapassagem do infinito (sugeridas pelo próprio título da novela) e de registro (a conformação concreta do objeto que contém esta narrativa).
A capa, elaborada num tipo de material que talvez seja o mesmo das capas de passaportes (percalux), é num azul marinho bem escuro, remetendo ao oceano mais profundo e subjetivo, quem sabe imaginário. O título vem gravado no centro, em letras douradas, sem menção ao nome da autora, conformando a preponderância do objeto à deriva, no meio de tudo.

Abrindo o livro, as páginas (& folhas) da novela são organizadas em segmentos (ou, se quiserem, capítulos) todos nomeados com a mesma economia lírica que atravessa o texto. Entremeando cada segmento, uma vinheta emoldurando seu título. Estas vinhetas representam imagens diversas, apresentadas em cores esmaecidas e tons pastéis, que me fizeram lembrar a memória envolta numa espécie de halo que vai apagando a nitidez das lembranças de coisas vividas ou inventadas.
A apresentação material de Transatlântico provoca a ideia de envolver a lírica narrativa de Mariana Marques numa experiência concreta com a delicadeza. Imagine ler esse trecho, num livro com a aparência que descrevi: “vejo as despedidas de perto e o desespero contido e todas as coisas que se puseram a perder junto à tentativa (do viver e do chorar)”.
Ler assim é um mergulho em imagens de nuvens.

[MARQUES, Mariana. Transatlântico. Fortaleza: La Barca, 2009]

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

DE UM LIVRO BONITO A VALER: VINTE E SETE DE JANEIRO

De um dos livros do poeta Carlos Augusto Lima, retiro alguns versos que me fizeram parar e olhar a parede branca do quarto, sem nada, lembrando das minhas próprias estações:

falta de tudo nesta cidade:estações,
estações, estações.
escute a tácita recusa em subir as compras.
e nós moramos num mundo bonito.




(LIMA, Carlos Augusto. Vinte e sete de janeiro. São Paulo: Lumme Editor, 2008. p. 39)