domingo, 5 de junho de 2016

Revista Mutirão #2 - Parte 1



Há pouco tempo, entrei em contato com o nº 2 da Revista Mutirão, feita em Fortaleza e lançada em 2016. A revista é de literatura (poesia e prosa) e também de artes visuais (fotografia, desenho, colagem, poesia visual, experimentações...), com capa do maravilhoso artista José Tarcísio e textos de artistas jovens, tudo organizado pelo Poeta de Meia-Tigela. A Mutirão #2 está montada como num quebra-cabeça, já sugerido na folha de rosto. Aqui o mesmo desenho da capa reaparece “desmontado” como que em peças, para recortar, remontar e colar ao final da revista em espaço indicado para isso, talvez ao gosto do freguês.

Essa é a concepção material da revista: pode-se seguir a disposição dada pelo organizador ou pode-se abrir em qualquer página e fruir o texto que encontrar, quer este seja um texto verbal ou visual. No entanto, em qualquer dos casos, uma ideia se impõe. Explico.
Nenhum dos textos tem indicação da autoria na própria página, mas só ao final, numa “escala”, que aponta somente os nomes dos artistas e a página de onde está o trabalho. Esse recurso me obrigou – curioso que sou – a manipular a revista de frente pra trás, de trás pra frente, num ir e vir próprio de quem quer saber quem escreveu aquele texto de que gostei (ou de que não gostei). Fico com a impressão de que o editor queria que a revista fosse encarada como um objeto cuja materialidade pudesse fugir aos padrões usuais de leitura, ou seja, à maneira relativamente linear e sequencial de ler textos em revistas. Obviamente, a quebra desses padrões não é obrigatória, pois todo leitor tem uma margem de liberdade de condução de sua relação com o objeto a ser lido.
Os temas, as linguagens e os estilos são variados, heterogêneos. E tem muita  coisa bacana nessa revista. Como o editorial cheio de trocadilhos com os textos e os estilos dos autores, feito com o bom humor do Raymundo Netto, a quem agradeço por ter me apresentado à revista e pela gentileza costumeira, coisas próprias de quem sabe conviver. Lembrou-me alguns textos não programáticos em prosa da época de forte atuação dos concretos, quando os Campos e Pignatari (entre outros) ocupavam a imprensa brasileira com textos com recursos inovadores, não apenas no que concerne às questões gráficas, mas também no tocante à escolha vocabular.
Da capa de José Tarcísio aos outros quatro trabalhos visuais dele publicados na revista, são, como informa Raymundo Netto, “decalques impressos diretamente de superfícies irregulares, como troncos de árvores e gravetos”, formando um experimento intitulado pelo artista de “Em busca da matriz”. Faço uma ressalva ao fato de que estas informações, embora preciosas e interessantes, poderiam ser acrescidas de informações mais técnicas (e precisas), tais como materiais, dimensões, técnica utilizada, etc. – coisas que podem interessar a quem tenha o espírito curioso como o meu em relação aos trabalhos de artes visuais que ganham materialidade e registro nas páginas de uma revista. Aliás, o mesmo vale para os outros trabalhos de artes visuais de Glauco Sobreira, Nataly Pinho e Pedro Humberto.
Já a li toda e ainda vou preparar um texto para este blog sobre os textos de poesia e prosa, só pra organizar as ideias. Para o momento, destaco: os textos do Luciano Bonfim (cujo livro de histórias e considerações “Móbiles”, de 2007, Edições do Caos, Fortaleza, recomendo); os textos desafiadores da Nina Rizzi, sobretudo o poema “noturno do benfica”, uma lindeza; o texto também desafiador de Talles Azigon “Carta de destruição ou Praça Portugal”. Mas não só. Mutirão #2 está cheia de surpresas boas.

MEIA-TIGELA, Poeta de (Org.). Mutirão #2. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2016.

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