sexta-feira, 4 de março de 2011

BEETHOVEN EM FORTALEZA


No dia 3 de março de 2011, deu-se início a uma série de concertos em que as nove sinfonias de Ludwig Van Beethoven serão apresentadas no palco do Theatro José de Alencar. A ideia partiu do maestro Gladson Carvalho, regente da Orquestra Filarmônica do Ceará, que planejou executar cada uma das famosas sinfonias a cada mês, realizando algo inédito no estado, ao explorar a obra de um dos maiores compositores de todos os tempos.
O Ceará não tem sido conhecido por promover a música erudita, a despeito de dado ao Brasil pelo menos dois nomes de relevância até internacional nesta área: Alberto Nepomuceno e Eleazar de Carvalho. No entanto, o esforço da Orquestra Filarmônica do Ceará, na pessoa de seu maestro, tem se revelado incansável na meta de popularizar a música erudita em suas várias vertentes.
No caso do primeiro concerto da temporada 2011, teve-se um exemplo de como a cidade trata este tipo de música. O Theatro José de Alencar apresentava um público bastante pequeno, porém atento e bem educado. Dessa vez, não vi pessoas falando ao celular ou comendo batatas fritas em sacos metálicos, daqueles que fazem um barulhinho que verdadeiramente desconcentra quem deseja ouvir a apresentação. Também não vi crianças impacientes a falar mais alto do que qualquer instrumento em solo. E havia algumas crianças, mas estas aparentemente assistiam calmas ao concerto, o que é inédito, pelo menos para mim.
Além da atenção dada ao espetáculo, o público pareceu verdadeiramente apreciar a música, que foi entremeada de pequenas “aulas” dadas pelo maestro e por músicos representantes de cada um dos naipes de instrumentos, o que foi ao mesmo tempo informativo e divertido. Esta modalidade de apresentação foi batizada pelo maestro como “Café Concerto” e visa a formar a platéia de música clássica.
O programa também foi uma aula de história da música, em termos cronológicos. A primeira peça foi o “Brandenburgo nº 3”, de Bach, executado de maneira precisa, perfeita e com uma emoção que podíamos ver na postura do maestro e na expressão dos próprios músicos, que tocavam com uma visível paixão, talvez por terem “entrado no clima” de uma das composições mais emocionantes do mestre barroco. Viu-se um notável empenho da Orquestra como um todo; e só quem vem acompanhando o trabalho dela nesses últimos anos pode realmente verificar os saltos de qualidade técnica no domínio dos instrumentos e na sincronia entre cada naipe, bem como na própria postura de palco.
A segunda parte foi a abertura de “Egmont”. Nesta, a orquestra cresceu, outros músicos (que não faziam parte da apresentação de uma obra barroca) passam a compor o conjunto necessário a uma récita clássica; e a música de Beethoven, o mestre de Bonn, como um dos últimos grandes compositores do período clássico se aplica bem ao intento de mostrar como evoluiu uma orquestra na história da música. A beleza de “Egmont” seria complementada pela “Primeira Sinfonia”, em que a intensidade do envolvimento dos músicos com aquilo que estavam realizando no palco ficou ainda mais visível, tanto nos movimentos vigorosos do maestro quanto na sincronia de movimentos dos músicos com seus instrumentos. Pessoalmente impressionou-me o último movimento da Sinfonia, o “Adágio e Allegro Vivace”, com sua marcação precisa num crescendo alternado a momentos de leveza. Difícil descrever com palavras. Não foi à toa que alguns gritaram “Bravo!” no encerramento da peça...
Por último, a cena inicial do “Lago do Cisne”, de Tchaikovsky, foi executada com igual perfeição. Já vi a Filarmônica do Ceará apresentando esta peça, mas desta vez foi realmente ímpar, vigorosa e emocionada. O trecho inicial, com os violinos e as violas vibrando para a entrada do solo de oboé, com as cellos e os contrabaixos assumindo suas posições aos poucos, vai dando a impressão de uma música que cresce, se encorpa, ganha um vigor cujo ponto alto é a junção de todos os instrumentos que vão expressar toda a dramaticidade necessária a esta peça recentemente tornada mais popular como trilha sonora do filme “Cisne Negro”. Uma apresentação única.
Para quem aprecia música erudita, sai-se do Theatro com a alma recompensada e com a certeza de que outras pessoas podiam sentir o mesmo.