quarta-feira, 22 de março de 2017

PARA BELCHIOR, COM AMOR - LITERATURA A PARTIR DE CANÇÕES






Ganhei esse livro de presente da Jamili Fialho em dezembro de 2016 – um ano difícil mas com suas veleidades felizes. De lá pra cá, já o li 3 vezes. São crônicas e contos escritos a partir de uma canção de Belchior, por diferentes autores, em diálogo com outros gêneros (como a carta, o depoimento, o poema em prosa, entre outros). A ideia veio de Ricado Kelmer, também organizador da coletânea e um dos escritores que se reuniram para fazer essa homenagem aos 70 anos do compositor e cantor cearense, completados em 2016. Os escritores, também cearenses, foram provocados a produzir os textos, tendo em mente sua relação com a referida canção – assim me pareceu.

O resultado é um livro bastante heterogêneo em muitos sentidos. Não só pela diversidade de experiências inscritas nos textos, como também de formatos, estilos e qualidade (e aqui vai uma impressão bastante pessoal minha, enquanto leitor, que, de forma alguma, pretende impor-se a quem quer que seja). Um exercício interessante que fiz na segunda leitura foi ler o texto e ouvir a canção de Belchior selecionada para motivar a escrita. É completamente diferente de ler só o texto, sem a contribuição da música sendo escutada, mesmo que eu tivesse em mente a canção, o que aconteceu na 1ª e na 3ª leituras. Algumas coisas fazem bastante sentido na relação do texto com a música. Só por ter me provocado essa experiência, o livro já valeu muito.

Destaco – por razões de identificação pessoal – os textos de Ana Karla Dubiela (uma crônica que vincula o passado da autora em sua relação com a canção “A palo seco” com o momento de golpe vivido no momento em que ela escreveu, em tom poético mas também crítico), de Gero Camilo (um conto que também abre dúvidas para o leitor elucubrar sobre vinculações possíveis da canção “Na hora do almoço” com suas histórias de vida ou de pessoas próximas a Gero, causando um impacto único no livro tanto como linguagem quanto como enredo) e Thiago Arrais (uma crônica-depoimento – ou talvez uma ficção do eu – que inventaria de modo bastante poético e pessoal a experiência vivida ao som de Belchior, a partir da canção “Alucinação”): são os textos que mais tocaram.

KELMER, Ricardo (Organizador). Para Belchior com amor. Fortaleza: Expressão Gráfica/Miragem: 2016.

P.S.: O livro agradou tanto que a 1ª edição se esgotou e já está sendo preparada uma segunda tiragem. A fonte dessa informação é segura e não revelo sob condução coercitiva nenhuma...

sábado, 11 de fevereiro de 2017

JOGANDO CONVERSA FORA, DE IGNEZ FIUZA



Há pouco mais de um ano, falecia Ignez Fiuza. Fui seu professor de “escrever”, como ela gostava de dizer, de março de 2009 a dezembro de 2015, primeiramente no curso “Minha vida, minha história – Escrevendo memórias”, oferecido no Espaço Viva da FA7. Depois o curso desvinculou-se da instituição e ganhou o espaço do atelier de Ignez, até chegar ao salão de festas do prédio em que a aluna morava, na Praia de Iracema, em Fortaleza. Junto com ela, um conjunto de pessoas interessadas em escrever suas lembranças, exercitar a memória e discutir formas de escrever conforme o modo de ser de cada um. A maioria delas acima dos 80 anos, com muita disposição para aprender, como a própria anfitriã.

Ignez era uma pessoa muito vivaz, simpática e dinâmica. Eu já a conhecia de vista do La Bohème, galeria-bistrô que ficava nas proximidades de onde hoje é o Mambembe [Obs.: alguns meses antes de partir, Ignez ficou sabendo, com revolta e tristeza, da derrubada de uma centenária árvore que estava em frente ao Estoril. Ali uma escora de ferro havia sido colocada para não sacrificar a árvore, a pedido de Ignez, na década de 80. Ao saber do fato, ela escreveu um texto e publicou-o em algum jornal da cidade denunciando a derrubada compulsória de árvores na cidade pela administração municipal.].

Conheci-a melhor não só pela convivência como também pela leitura dos textos que ela produzia. Esses textos resultaram no livro “Jogando conversa fora”, que tive a tarefa de supervisionar como organizador e revisor. O processo durou quase um ano, entre a decisão de publicar e o lançamento do livro, em fevereiro de 2014. Era nos encontros para discutir o livro que falávamos sobre outros livros, sobre formatos, sobre qualidade literária ou a falta desta, sobre ser simples, sobre se fazer entender, sobre revelar e esconder o que se sabe sobre a cidade, sobre as limitações de disponibilizar lembranças que parecem interessar somente a si. Algumas vezes Ignez ficava insegura quanto ao interesse desse livro. E eu sempre dizia que as lembranças de alguém que circulou em tantas áreas diferentes na cidade interessam, porque, ao falar de suas experiências, ela fala da cidade, tanto mostrando as limitações de uma Fortaleza pouco afeita à arte no momento em que ela iniciou-se com a galeria de arte e o antiquário como indicando que a mentalidade havia mudado um pouco 40 anos depois – e ela ressaltava “um pouco”.



O livro de Ignez é uma conversa. Tem de tudo um pouco: sua genealogia (os Gentil da Reitoria) e histórias de vida; várias situações envolvendo artistas locais, nacionais e internacionais; a dureza de ser uma mulher de negócios numa Fortaleza cuja elite ainda torcia o nariz para a profissionalização da mulher, sobretudo se ela pertencesse a uma certa camada social; o cenário cultural e das artes visuais ao longo de décadas de atuação como galerista e curadora (quando essa palavra não era usada), entre tantos temas que ela desenvolve em textos muito próximos da crônica e têm a intenção tão somente de expressar ideias e a memória de um tempo outro.

Na convivência com Ignez, fiquei sabendo de sua amizade com Tomie Ohtake e sua admiração por Frans Krajcberg; também presenciei sua finesse, seu bom gosto e esmero em receber as pessoas que chegavam à sua casa; sobretudo, observei sua simplicidade no trato com o outro e seu bom humor – e tudo isso está de algum modo impresso no livro que escreveu. Depois de publicar esse livro, Ignez Fiuza ainda produziu dezenas de textos, além dos que ela resolveu não editar nesse livro. Muitos desses textos foram produzidos no curso; outros, ela escreveu porque sentiu vontade, impulso, inspiração. Coisas de quem descobriu que a escrita é uma forma de simbolizar a vida e suas vicissitudes.

FIUZA, Ignez. Jogando conversa fora. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2014.

[Essa é minha homenagem à Ignez. Eu, que fui muito mais aprendiz que professor, lembro com alegria de nossas aulas e de seu alto astral.]

sexta-feira, 15 de julho de 2016

2 EVENTOS ACADÊMICOS EM QUIXADÁ-CE




O Mestrado Interdisciplinar de História e Letras (MIHL), da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC/UECE) sediará em Quixadá a I Jornada Interdisciplinar de História e Letras e o I Colóquio de História Social dos Sertões, entre os dias 10 e 14 de outubro. As inscrições vão até o dia 03.09. Mais informações no site do evento aqui.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

TODAS AS INFÂNCIAS EM UMA RACHEL



Em A casa dos benjamins, de Socorro Acióli, uma menina, Flora, conhece uma simpática senhora. Depois vem a saber: é Rachel de Queiroz. Juntas, visitam a hoje famosa casa onde a escritora cearense esboçou sua obra inaugural, O Quinze. Magicamente, uma Rachel idosa conduz a criança às imagens do passado, em que das palavras surgem cenas que se materializam no ar, compondo a atmosfera sofrida de um dos romances fundamentais da ficção nordestina da chamada Geração de 30.
A metáfora criada por Socorro Acióli não poderia ser mais apropriada: Rachel se aproximando da infância, tendo a literatura como vetor do trânsito entre presente e passado, entre o adulto e a criança. Este aspecto atravessa toda a obra da escritora, ora como uma espécie de reconstrução da experiência de formação da personalidade, ora como uma construção do espaço afetivo para elaborar espantos diante da percepção das coisas e do mundo.



É nesta perspectiva que se pode entender a “tangerine-girl”, personagem-título de um dos contos mais belos de Rachel. Nele, uma menina, em lances ágeis de uma imaginação irrequieta, vivencia sua primeira experiência com o outro, com o estranho (materializada pelo contato com os militares americanos e sua aeronave), no qual deposita sua possibilidade de emoção (a fantasia de estar sendo cortejada por um enamorado marinheiro), encontrando porém o desapontamento, fruto do experienciar um universo que não é seu.
Em As três Marias, a descoberta das coisas, da amizade e das relações sociais, nem sempre pautadas pela sinceridade ou pela cordialidade, encontra no espaço da escola o ambiente para a fabricação dos escudos que as futuras mulheres precisarão ter para impor sua subjetividade. E a criança, neste caso, não está livre das mazelas frequentemente atribuídas aos adultos, fazendo com que a narradora em dado momento afirme: “As crianças são ferozes, severas e absolutas como selvagens. Elas, menos que ninguém, compreendem e amam a inocência.”
Talvez este amor à inocência tenha colaborado na construção dos personagens crianças que aparecem de soslaio na secura de O Quinze, famintas, tristonhas, o olhar distante para um mundo no qual não se tem ânimo nem para fazer traquinagens. Centrado na experiência do sofrimento da fuga e do desvalimento, todo e qualquer personagem se apequena diante da magnitude do flagelo da seca, nivelando adultos e crianças à condição de arremedos de pessoa. Tal orientação romanesca não foi, de resto, individualizada na obra de Rachel, mas estava na maioria dos romancistas nordestinos de 30, que encontraram na infância uma confluência temática pouco repetida na literatura brasileira: Graciliano Ramos e os meninos de Vidas secas; Lins do Rego e seus meninos de engenhos; Jorge Amado e seus meninos capitães de areias, de ruas e ladeiras... Transfere-se para a prosa, assim, a experiência acumulada pela poesia das reminiscências de infância, sedimentada desde o Romantismo (quem não lembra “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu?) até a infância vertida em tintas modernistas de Bandeira e Drummond.
A infância comparece de forma variada na obra de Rachel, não constituindo uma imagem fixada rigidamente, mas em função das exigências da própria narrativa. Em Caminho de pedras, o garoto (filho de João Jaques e Noemi) fala pouco (muito mais com a mãe), mas tem a fundamental incumbência de comunicar a doença de Noemi ao pai. Curiosamente, neste romance, percebe-se (mesmo que não seja a temática central da obra) a variedade de experiências afetivas com a criança: ora o afeto domina, ora a repreensão; ora o menino brinca, sujo e descuidado; ora queda-se absorto diante da mãe acamada ou das conversas políticas do pai.
Essas experiências nos dão a dimensão da tentativa de Rachel de Queiroz em compor um quadro realista da infância na medida em que não se fixa em um modelo único de comportamento infantil, o que não lhe retira a condição de, como o Daniel de O menino mágico (um de seus livros infanto-juvenis), poder imaginar que para a criança qualquer mágica é possível. Porque poder ser criança é a própria mágica.

Miguel Leocádio Araújo

P.S.: Este artigo foi publicado no primeiro número da revista Letra, do jornal O Povo e da Fundação Demócrito Rocha, em meados de 2010, durante as comemorações do centenário de Rachel de Queiroz. O título original, que ora republico, tinha sido modificado para “Todas as infâncias da Rachel”, que constou na revista.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

COLÓQUIO SOBRE HIPERTEXTO, MULTILETRAMENTOS E MULTIMODALIDADES EM REDENÇÃO-CE





A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) sediará o V Colóquio Nacional de Hipertexto (CHIP), cujo tema é Multiletramentos e multimodalidade: questões de ensino e de pesquisa. O Colóquio acontecerá nos dias 27 e 28 de outubro de 2016, em Redenção (CE).


Os grupos de trabalho nos quais os interessados podem se inscrever são os seguintes: Letramento acadêmico; Letramento digital e ensino de línguas estrangeiras; Letramento digital e ensino de língua materna; Letramento multimodal e crítico; e Letramento literário.

Inscrições com apresentação de trabalho: 01 a 30 de julho.
Inscrições como ouvintes: 01.07 a 30.08.

Mais informações no site do evento: http://www.unilab.edu.br/informacoes-gerais-chip/