domingo, 14 de setembro de 2014

O CEGO ADERALDO, EM BIOGRAFIA DE CLÁUDIO PORTELLA



Quem passa ou se demora por Quixadá-CE sabe da presença do Cego Aderaldo no imaginário popular local. Nesta cidade há um monumento ao poeta e um memorial que guarda alguns de seus objetos, entre outros locais que fazem referência a seu nome ou a sua memória. No entanto, não existe farta bibliografia sobre essa figura emblemática da cultura cearense.
Para suprir  parte dessa lacuna, em 2010, Cláudio Portella publicou uma biografia para a Coleção Terra Bárbara, das Edições Demócrito Rocha, livro que veio acenar para a renovação do interesse pela produção poética do Cego Aderaldo, bem como por seu percurso de vida. No entanto, pelas próprias dimensões dos livros da Coleção, havia a necessidade de ampliar o volume e a circulação de informações a respeito desse personagem, o que é feito com Cego Aderaldo: a vasta visão de um cantador, publicado em fins de 2013, pela editora Escrituras, de São Paulo, e lançado em Fortaleza, em evento na Livraria Cultura, em março de 2014.






O livro de Portella traz dados sobre a trajetória de Aderaldo, relatando os lances mais relevantes de sua vida pessoal e apresentando os fatos mais curiosos e, em alguns momentos, divertidos de seu percurso como cantador-poeta: os encontros, as amizades construídas ao longo da vida, as viagens e os desafios-pelejas que protagonizou.
A história de vida do Cego Aderaldo cruza-se com a de algumas outras figuras bastante emblemáticas do imaginário cearense: Padre Cícero, Lampião e Padre Antônio Vieira. Tais cruzamentos nos dão a impressão de que estamos diante de uma vida marcada por encontros interessantes, não sem os percalços de uma existência acidentada, desde a própria cegueira de Aderaldo.
Tal percurso biográfico vem entremeado por poemas escritos pelo Cego em diferentes momentos de sua vida, oferecendo ao leitor uma amostra significativa de sua produção. Além disso, quase ao final do livro, há dois anexos que agrupam “Motes e glosas” e “Poemas”, o que dá ao leitor não só a oportunidade de conhecer mais de perto uma parte da obra do poeta e o lugar ocupado por alguns de seus poemas na própria vida do cantador.
E aí reside uma das principais qualidades do trabalho de Cláudio Portella: instigar o leitor à fruição de uma poética representativa de uma tradição local ainda por se conhecer melhor. Inclusive, uma decorrência possível da leitura desses poemas é a busca por outros textos do poeta que ainda não se encontram compilados – tarefa que poderia muito ser encampada por professores e alunos de Letras do Sertão Central que se interessam pelos temas e procedimentos da chamada poesia popular.
O livro é fruto de pesquisa rigorosa, mas o resultado é vertido em uma linguagem simples e direta, sem enveredar pelo vocabulário acadêmico em circulação no campo dos estudos sobre cordel, literatura popular e oralidade, o que deixaria o texto muito mais voltado para um público específico. Além disso, a edição é repleta de imagens, que vão de fotografias até partituras, passando por capas de cordéis e histórias em quadrinhos. Trata-se de um material rico, que estimula a querer conhecer mais sobre este personagem. Como fonte, poderia servir de ponto de partida para pesquisas que estudassem os textos deixados pelo Cego Aderaldo, patrimônio maior com o qual ele construiu seu nome e as lendas que o envolvem.


 Miguel Leocádio Araújo

P.S.: Circulando pelo youtube, encontrei duas músicas bem interessantes que tematizam o Cego Aderaldo. Uma delas é "Cego Aderaldo", poema de Marcus Accioly e música do cearense César Barreto, no disco "Nordestinados" (1980):



A outra música é de Luiz Gonzaga, em homenagem ao centenário do Cego Aderaldo: