segunda-feira, 3 de agosto de 2009

INCANSÁVEL, IMPLACÁVEL: ADOLFO CAMINHA NA CIDADE

Essa vai para os meu alunos, às voltas com a Maria do Carmo, da Rua do Trilho, e seus devaneios de garota meio sonsa meio sonhadora, numa cidade cheia de hipocrisia. Foi um texto que publiquei no jornal O Povo, em 2007, quando completavam-se 140 anos do nascimento de Adolfo Caminha e 110 anos de sua morte. Este texto sofreu algumas poucas alterações (como é difícil alterar o estado das coisas...).


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Quando Adolfo Caminha retornou do Rio para Fortaleza, chegava numa situação relativamente confortável: era um jovem oficial da marinha (aos 21anos), já tinha dois livros editados e guardava a experiência de ter observado a vida literária e cultural da Corte e mesmo dela ter participado, através de algumas publicações esparsas em periódicos. Não é de espantar, portanto, que aquele jovem rapidamente se inserisse na vida cultural local, contribuindo para movimentá-la, numa atitude que poderia ser chamada de “esforço intelectual cearense”, algo que parece ter se mantido na tradição, principalmente quando lembramos de como é difícil fazer literatura (e publicar e se fazer ouvir) por estes lados.
Sânzio de Azevedo, na mais completa biografia do autor até hoje escrita, registra as diversas movimentações do escritor em torno da vida literária na capital da província. Entre a sua participação em agremiações literárias e a constituição de “afinidades eletivas” no campo das idéias, muito passou pelos olhares caminhianos, deixando a impressão de um artista-intelectual incansável no que concerne ao debate de ideias, mas também numa área que demandava esforço ainda maior: as práticas de divulgação da produção literária. E aqui Caminha terá uma lição a aprender: a necessidade de lidar com as adversidades de um meio nem sempre acolhedor às práticas culturais letradas, algo de que artistas e intelectuais têm reclamado, desde participantes dos mais prestigiosos grêmios literários do século XIX até representantes da contemporaneidade.
Nem por isso, Caminha desistiu de trabalhar pelas letras e ideias. Sim, porque esta parecia ser a sua vocação: trabalhar, apesar de tudo. Por exemplo, em 1889, meses depois de sua chegada aqui, já publicava nos jornais locais, tais como A Avenida, criado por Pápi Júnior (que se tornará amigo do autor de A Normalista) e outros homens de letras do período; ou no jornal Libertador, então um fórum de idéias e de literatura. Participará da Padaria Espiritual, a mais conhecida agremiação do século XIX, atendendo pelo “nome de guerra” Félix Guanabarino. Além disso, Caminha teve duas experiências como editor e jornalista na cidade: a Revista Moderna (1891) e O Diário (1892). Estes espaços criados, embora efêmeros, serviram de base e palco para a constituição de uma imagem da qual gozou entre seus contemporâneos: a do autor polêmico e combativo. Não à toa, Caminha entabulará contendas literárias – as famosas polêmicas – com alguns de seus companheiros de ofício, como Antônio Sales e Rodolfo Teófilo, causando repercussões nos meios letrados. Por último, ainda é de lembrar seu envolvimento com o Centro Republicano do Ceará, mostrando estar afeito a ideias políticas modernas em seu tempo.
Juntem-se a estas atividades as reuniões e conversas literárias com os amigos que aqui conquistou, os cafés tomados ao sabor da literatura e os escândalos na vida pessoal (seu envolvimento com uma mulher casada), formamos um retrato de escritor que se inscreveu visceralmente no cotidiano da cidade, por meio da cultura letrada, permeado por um temperamento destemido e empreendedor. O fato de Caminha sair do Ceará, voltar ao Rio de Janeiro, mas ainda manter um contato efetivo com a cultura local, nos dá a medida de um escritor que não deixou de pensar em deixar sua marca na cultura da província. Que A Normalista fale por si... Sendo uma história de luta contra as adversidades e tentativa de superação num meio hipócrita e desumano, poderia sintomatizar as lutas de um cidadão e escritor em favor da cultura e da convivialidade honesta. Mesmo que, para isso, tivesse que ser ranheta ou até implacável.