segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ENTREVISTA NO BLOG DA EDIÇÕES DEMÓCRITO ROCHA

No blog da Edições Demócrito Rocha, o jornalista Henrique Araújo (não, ele não é meu parente) publicou uma entrevista sobre a materialidade dos livros, tema que interessa enormemente, sobretudo quando se fala que o livro está em vias de ser definitivamente sepultado pelas caixinhas eletrônicas que acumulam palavras de não sei quantos mil autores. Não pedi autorização nem ao Henrique, nem à Fundação, mas a entrevista está aqui.

AS CURVAS DO LIVRO

Alguém aqui compra livro porque, de passagem por alguma estante abarrotada de títulos, se sentiu atraído por aquele de capa vermelha e letras em alto relevo? Ou, entre os volumes espalhafatosos empilhados na entrada da loja, gostou daquele de designer sóbrio, num preto fosco e letras pequenas? Antigamente, uma resposta positiva a essas perguntas seria acompanhada de leve porção de vergonha. Afinal, foi-se o tempo em que o corpo do livro, seu suporte físico, era aspecto subestimado.
Para o professor de literatura e pesquisador Miguel Leocádio, hoje as editoras têm tanto cuidado com a “materialidade do livro” quanto com o seu conteúdo. Mesmo as pequenas casas editoriais vêm investindo bastante no desenho gráfico dos livros. Como exemplo, ele cita as editoras Cosac Naify e Demócrito Rocha. Em entrevista ao blog, Miguel explica por que a materialidade é importante. Longe de constituir um dado irrelevante da equação que descreve o interesse pela leitura, é ela a grande responsável pela atração primeira, desempenhando uma função que posteriormente ficará inteiramente a cargo da palavra: a de seduzir constantemente o leitor. (Henrique Araújo)
Como esse corpo físico do livro se relaciona com as ideias que ele transporta?
Miguel Leocádio Araújo – Em geral, esse corpo físico (que em geral chamo de “materialidade dos livros”) pode ou não se relacionar com as ideias, mas quando ocorre uma associação, desde que bem realizada, acaba sendo um elemento a mais para atrair ou instigar o leitor. Um exemplo disso é o projeto gráfico de Suzana Paz para o livro Vende-se uma família, de Socorro Acióli (Edições Demócrito Rocha, 2007). O livro foi projetado de tal forma que o leitor tem a impressão de estar com um objeto antigo em suas mãos; e esse tipo de associação não vem apenas pela história em si, mas também pela coloração do papel, pelo estilo das ilustrações e pela capa, elementos que servem de complemento à trama, que se passa no século XIX. Por outro lado, há materialidades que se distanciam das ideias veiculadas pelo livro, mas permanecem atraentes, pelo cuidado com que são tratadas pelos profissionais que trabalham no processo de elaboração do produto. Portanto, uma materialidade que é criada para valorizar um texto em livro depende da sensibilidade e do envolvimento do profissional com as ideias do autor, mesmo que para se distanciar delas.
Como se define a materialidade de um livro?
Miguel – A partir da necessidade de colocar um produto no mercado que tenha capacidade de seduzir um leitor também por meio de sua conformação concreta. Aquela ideia de que um livro muito bem cuidado é artefato para bibliófilos ou para colecionadores de livros de arte já foi superada. Aliás, num tempo em que os textos e as idéias ganharam o espaço virtual, a indústria do livro tem repensado as maneiras de oferecer seus produtos aos consumidores, o que não é novo, pois tem dependido muito dos avanços tecnológicos no campo da impressão, na fabricação de papel, no uso de pigmentos e materiais diversos (e, em alguns casos, inusitados). Quando se lança um material novo que pode ser aproveitado em objetos impressos, experimenta-se, a título de novidade, posteriormente tornando-se algo generalizado na indústria do livro. O que me interessa especialmente é a maneira como as profissionais das artes gráficas encontram soluções as mais diversas para tornar o livro uma experiência completa: visual e tátil, prazerosa de ler, ver e tocar.
Esse aspecto já foi um dia subestimado?
Miguel – Sim, isso já foi muito subestimado e, em muitos casos, ainda é. Quanto mais simples e com menos recursos se fabrica um livro, mas barato ele se torna, em tese, embora isso não diminua o valor do texto que ele contém. Dou como exemplo as editoras francesas Éditions des Femmes, Tel, Gallimard ou Les Éditions de Minuit, bem como as almãs Reclam ou Suhrkamp, que têm coleções inteiras com pouquíssimas ilustrações (ou nenhuma), em geral apenas na capa, usam papel barato (muitas vezes, assemelhando-se ao papel jornal), já que têm como carro-chefe de sua produção os livros de bolso. Mas isso ocorre porque o público dessas editoras é cativo, o que garante as vendas, sem maiores necessidades de investimentos em atrativos gráficos, o que não quer dizer que não existam nesses países editoras que tenham uma enorme preocupação com a materialidade dos livros e suas inovações.
Hoje, que importância tem?
Miguel – Hoje a importância da materialidade é enorme. Há autores que se envolvem no processo de “formatação” gráfica do livro. No caso, por exemplo, dos livros destinados ao público infanto-juvenil, os investimentos são altos, fixando cada vez mais a ideia de um livro de texto bom e de apresentação gráfica atraente. Afinal de contas, um livro é um objeto com o qual as crianças podem passar muitas horas, quer seja por ser um paradidático adotado por uma escola, quer seja por prazer de ler mesmo; logo, quanto mais prazeroso for estar com um livro em mãos, mais o texto a ser lido ganha. É claro que esses investimentos extrapolam o universo da literatura infanto-juvenil. É possível encontrar hoje até livros acadêmicos com uma apresentação gráfica primorosa.
Dê exemplos de obras que se destacam nesse campo.
Miguel – Os livros da Cosac Naify, em geral, são exemplares nesse sentido. A coleção Fábrica de Leitores das Edições Demócrito Rocha é primorosa, bem como os livros de poesia infantil da gaúcha Editora Projeto também são muito bonitos. Ultimamente, no Ceará, tenho percebido uma preocupação dos autores com a materialidade do livro. Eu destacaria a novela de Mariana Marques, Transatlântico, pela editora La Barca; o livro “triplo” de Júlio Lira, que envolve três gêneros diferentes (conto, poesia e crônica), num projeto gráfico absolutamente inovador, que você manipula meio de maneira muito lúdica, virando a posição do objeto, para poder iniciar a leitura de cada um dos três livros contidos num mesmo artefato.
Visite o blog das Edições Demócrito Rocha AQUI.