domingo, 22 de maio de 2016

CATÁLOGO CAMINHO DAS ABELHAS: beleza na desertificação



Entre janeiro e março de 2016, houve uma exposição no Espaço Cultural dos Correios, em Fortaleza, que era uma maravilha. Seis fotógrafos – Iana Soares, Markos Montenegro, Paulo Gutemberg, Sérgio Carvalho, Silas de Paula e Vanessa Andion – oriundos de diferentes lugares, com experiências bem variadas entre si e formações diversificadas, além de estéticas heterogêneas, realizaram um trabalho que tinha em comum o olhar para um mesmo lugar: Irauçuba, localidade sertaneja encravada na região norte do estado do Ceará (identificada com a macrorregião do sertão sobralense), cujo topônimo significa “caminho das abelhas”, título da mostra.
A exposição já impressionava pelas demarcadas sensibilidades individuais de cada artista no tratamento temático e pelas diferentes opções estéticas na captação das paisagens, das pessoas, das coisas, dos detalhes que poderiam compor um sem número de narrativas visuais das muitas Irauçubas – tanto as presentes nos olhares dos fotógrafos quanto as criadas na imaginação do espectador (a partir da imagem contemplada).
Agora também impressiona o catálogo da exposição “Caminho das abelhas”, que me chegou às mãos esses dias e me remeteu à experiência de visitar os trabalhos fotográficos da exposição do Espaço Cultural dos Correios, com aquela vontade de voltar a se deixar tomar pela imagem e contemplar o que ela conta. 

Publicado pela editora Tempo d’Imagem, numa edição bem cuidada e com uma qualidade gráfica excepcional, o catálogo traz excelentes artigos de Silas de Paula e Paulo Gutemberg, que agregam informações preciosas para quem não é da área de fotografia e tampouco tem informações sólidas sobre o sertão da região de Irauçuba e a sua ligação com o tema da desertificação, processo pelo qual a região vem passando, acentuado pela constante seca que assola o lugar. A leitura desses dois textos abrem possibilidades novas de “reler” as fotografias, agora em livro. Cada série (de cada artista) é introduzida por um pequeno texto que remete à experiência individual diante da cidade, do sertão e do ato de fotografar aquele tema.
A beleza e a poesia dos trabalhos é o fio condutor do catálogo. Particularmente me impressionou: o jogo de claro e escuro de Markos Montenegro (sobretudo na fotografia do “homem sem cabeça”, que me lembrou retratos de figuras humanas do período barroco, que mostravam e escondiam o tema sob luz e sombra); as sugestões geométricas de Sérgio Carvalho (a sucessão de linhas retas que vão se reconfigurando e se desfazendo de baixo para cima na fotografia em que aparece uma igrejinha vista “pelas costas” é exemplo dessas sugestões); os instantes de afetos de Iana Soares (a fotografia da nuvem insólita sobrevoando a galharia seca é de intensa dramaticidade, assim como o registro da mulher de blusa listrada diante de uma parede que mais parece uma ruína – essa mulher parece uma santa vestida por um véu de pedra numa abóbada azul se deteriorando, reforçando a dramaticidade pelo gesto ambíguo de esconder parte do rosto, sem deixar o espectador ter a certeza do sentimento expresso nesse gesto); as texturas quase impressionistas de Silas de Paula (a fotografia do lago – ou açude – quase seco, com sua réstia de água esverdeada, pontuado por arabescos formados pelo solo rachado que dominam o espaço da composição, parece remeter à ideia de tempo tão cara aos impressionistas); os trípticos de Vanessa Andion, que parecem querer apresentar as pessoas entre os lugares e as coisas que lhes traduzem; as oscilações entre o estático e a sugestão de movimento de Paulo Gutemberg (o trabalho de metalinguagem na fotografia em que a sombra do fotógrafo é parte do chão seco, fundindo-se à matéria fotografada é sugestiva dessa oscilação).
O catálogo estaria completo se as indicações a respeito de cada um dos trabalhos ali reproduzidos estivessem detalhadas, como convém a um livro de arte. Indicações dos títulos das obras (e mesmo quando não têm nome, indicação do “sem título”), das dimensões, do material em que foi reproduzido para ser exposto ou qualquer outra informação que valorize a materialidade da obra são sempre necessárias numa publicação que pretende fazer o registro de uma ação cultural importante, como foi a exposição “Caminho das abelhas”. É o único senão do catálogo; e tenho observado que a ausência do detalhamento das informações mais “técnicas” dos trabalhos de arte registrados em catálogo e livros tem ocorrido com certa frequência. Mas isso já é assunto para outro texto...

SOARES, Iana et al. Caminho das abelhas. Fortaleza: Tempo d’Imagem, 2016. 96 p.

Miguel Leocádio Araújo

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