segunda-feira, 1 de junho de 2009

CLARICE LISPECTOR E O FUTEBOL: A HORA DA ESTRELA SOLITÁRIA (3)

Como se não bastassem as entrevistas e toda a mitologia que envolve o nome de Clarice Lispector (com ou sem futebol), numa crônica de 1968, ela afirmou ser leitora do famoso e admirado cronista esportivo Armando Nogueira pelo fato de ele "escrever bonito", mesmo que não entendesse todo o jargão descritivo de uma partida. Esta crônica, por sinal, chama-se “Armando Nogueira, futebol e eu, coitada” e foi escrita em resposta a um comentário de Nogueira em que dizia que trocaria uma vitória de seu time por uma crônica de Clarice sobre o futebol... Pois bem, Clarice, em tom sério, beirando a dramaticidade, escreve que não perdoaria, nem por brincadeira, que se trocasse uma vitória do Botafogo por um romance inteiro dela, sobre futebol... Virtudes de torcedor devotado? Ou melhor, de uma torcedora devotada?

Apesar de sempre dizer que não entendia de futebol, ela entregava-se com uma "ignorância apaixonada" ao seu time e ainda tinha que contemporizar as divergências entre um filho botafoguense e outro flamenguista, tarefa nada fácil para quem já optara pelo primeiro time. O mais curioso é que Clarice relatou que, na verdade, gostava de assistir a jogos pela TV e que só uma vez na vida foi ao estádio para ver, de "corpo presente", uma partida de seu time. Segundo sua própria afirmação, isso a tornaria uma "brasileira errada".

E para não dizer que Clarice Lispector não colocou em ficção algo relacionado ao futebol, basta lembrar que no conto “À procura de uma dignidade”, de Onde estivestes de noite (1974), a personagem, Sra. Jorge B. Xavier, inicia sua via crucis perdida nas galerias do Maracanã, em busca de uma conferência qualquer que não sabia ao certo se ali se realizaria. Desorientada, a protagonista chega à área "verdadeira" do estádio: o campo. Mas, na verdade, encontra um "espaço oco de luz escancarada e mudez aberta, o estádio nu, desventrado, sem bola nem futebol. Sobretudo sem multidão." A nudez daquele espaço é a própria imagem do que há de mais triste no futebol, para os torcedores mais filosóficos: um estádio vazio. E Clarice inesperadamente captou esta imagem, mesmo só tendo ido uma única vez na vida a uma partida de futebol in loco. Coisas de artista...


Escrito por Miguel Leocádio Araújo

5 comentários:

  1. Eu gostei muito do texto. Desde o título - que eu curti pacas - até o fim. As três partes me mostraram uma Clarice que não chega nem a ser imaginada por ninguém: uma mulher calada, triste, que só escreve e fuma e lê e pensa em coisas absurdamente complexas. O que não é de fato, claro.
    Eu já tinha visto, não sei onde, que ela era apaixonada por futebol. Fiquei impressionado, de verdade. Pensei até que poderia ser uma das suas "mentiras"... E só agora eu tenho uma certeza mais absoluta do seu amor. E até me identifiquei, porque também tenho disso, essa coisa de "ignorância apaixonada" pelo futebol. Gosto, mas não sei gostar direito, porque tem muitas coisas que eu não entendo...

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  2. Honório, é esse lado da Clarice que também é interessante descobrir e que às vezes se deixa passar ao largo. Quando a gente mitifica demais um escritor, acaba achando que não se pode ser um, o que definitivamente não é verdade. Ou, pior ainda, fica-se achando que só se pode ser escritor se for diferente de todos, se for uma pessoa calada e triste (ou algumas das outras variações de imagens de escritores: o boêmio, o cerebral intelectualizado, o obsceno adorador do submundo, o humanista politicamente correto que acha que tem sempre algo a ensinar à humanidade...). O que eu gosto na Clarice é exatamente não saber explicar muita coisa q sente ou que escreve. E não entender é um passo muito decisivo para estar entendendo por outras vias, que não a da racionalidade...
    Obrigado pelo comentário.

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  3. Aí Miguel, cheguei no teu blog através do "vitrolaencantada", também tenho um blog (cantodocalado.blogspot.com) que comento sobre música e afins, com a visão simples de um admirador da arte em geral e não de um estudioso feito você, nada muito sério, apenas por insistência de amigos e está servindo para desopilar um pouco.
    Gostei um bocado do teu blog, falar de literatura num País deste não deve ser fácil, achei legal o paralelo entre Clarice e Armando, desconhecia este fato, Clarice é uma escritora que gosto muito, apesar do pouco tempo que disponho para leitura (infelizmente) e sobre o Armando era um cara que eu simplesmente detestava, única e exclusivamente por ser diretor da Rede Globo, em uma fase minha de adolescente radical e contrário a tudo que a Rede Globo impunha, com o passar dos anos e com a maturidade vi, lendo alguns textos dele, que ele escrevia muito bem, uma escrita bem agradável,se hoje já não me importo tanto com a Rede Globo, continuo a ler Clarice e Armando.
    Parabéns pelo blog.
    Abraços
    Robson Calado

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  4. Oi Robson, fico muito feliz com seu comentário. Clarice e Armando são descobertas constantes; e o Armando pelo homem polêmico que sempre foi; e Clarice pela sua escrita inigualável. Vou visitar seu blog, pois uma das coisas que gosto é de ler sobre música; se eu não fosse professor, acho que seria jornalista e me especializaria em música, principalmente o universo da música pop. Até mais e obrigado pelo comentário.

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  5. Miguel, bem legal mostrar esse lado menos "caturro" da Clarice. curioso: onde ela visceja mais humana: quando estava séria ou no estádio? rsrsr além disso, descobrir que ela era botafoguense, como eu. mulherona de bom gosto a Lispector. abração
    Cândido.

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