Há pouco tempo, entrei em contato com o
nº 2 da Revista Mutirão, feita em
Fortaleza e lançada em 2016. A revista é de literatura (poesia e prosa) e
também de artes visuais (fotografia, desenho, colagem, poesia visual,
experimentações...), com capa do maravilhoso artista José Tarcísio e textos de
artistas jovens, tudo organizado pelo Poeta de Meia-Tigela. A Mutirão #2 está montada como num
quebra-cabeça, já sugerido na folha de rosto. Aqui o mesmo desenho da capa reaparece
“desmontado” como que em peças, para recortar, remontar e colar ao final da revista
em espaço indicado para isso, talvez ao gosto do freguês.
Essa é a concepção material da revista:
pode-se seguir a disposição dada pelo organizador ou pode-se abrir em qualquer
página e fruir o texto que encontrar, quer este seja um texto verbal ou visual.
No entanto, em qualquer dos casos, uma ideia se impõe. Explico.
Nenhum dos textos tem indicação da
autoria na própria página, mas só ao final, numa “escala”, que aponta somente
os nomes dos artistas e a página de onde está o trabalho. Esse recurso me
obrigou – curioso que sou – a manipular a revista de frente pra trás, de trás
pra frente, num ir e vir próprio de quem quer saber quem escreveu aquele texto
de que gostei (ou de que não gostei). Fico com a impressão de que o editor
queria que a revista fosse encarada como um objeto cuja materialidade pudesse
fugir aos padrões usuais de leitura, ou seja, à maneira relativamente linear e
sequencial de ler textos em revistas. Obviamente, a quebra desses padrões não é
obrigatória, pois todo leitor tem uma margem de liberdade de condução de sua
relação com o objeto a ser lido.
Os temas, as linguagens e os estilos são
variados, heterogêneos. E tem muita coisa bacana nessa revista. Como o editorial
cheio de trocadilhos com os textos e os estilos dos autores, feito com o bom
humor do Raymundo Netto, a quem agradeço por ter me apresentado à revista e
pela gentileza costumeira, coisas próprias de quem sabe conviver. Lembrou-me
alguns textos não programáticos em prosa da época de forte atuação dos
concretos, quando os Campos e Pignatari (entre outros) ocupavam a imprensa
brasileira com textos com recursos inovadores, não apenas no que concerne às
questões gráficas, mas também no tocante à escolha vocabular.
Da capa de José Tarcísio aos outros
quatro trabalhos visuais dele publicados na revista, são, como informa Raymundo
Netto, “decalques impressos diretamente de superfícies irregulares, como
troncos de árvores e gravetos”, formando um experimento intitulado pelo artista
de “Em busca da matriz”. Faço uma ressalva ao fato de que estas informações,
embora preciosas e interessantes, poderiam ser acrescidas de informações mais
técnicas (e precisas), tais como materiais, dimensões, técnica utilizada, etc. –
coisas que podem interessar a quem tenha o espírito curioso como o meu em
relação aos trabalhos de artes visuais que ganham materialidade e registro nas
páginas de uma revista. Aliás, o mesmo vale para os outros trabalhos de artes
visuais de Glauco Sobreira, Nataly Pinho e Pedro Humberto.
Já a li toda e ainda vou preparar um
texto para este blog sobre os textos de poesia e prosa, só pra organizar as
ideias. Para o momento, destaco: os textos do Luciano Bonfim (cujo livro de
histórias e considerações “Móbiles”, de 2007, Edições do Caos, Fortaleza, recomendo);
os textos desafiadores da Nina Rizzi, sobretudo o poema “noturno do benfica”,
uma lindeza; o texto também desafiador de Talles Azigon “Carta de destruição ou
Praça Portugal”. Mas não só. Mutirão #2
está cheia de surpresas boas.
MEIA-TIGELA,
Poeta de (Org.). Mutirão #2. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2016.
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