Tenho um método de leitura que possibilita ler dois ou
mais livros ao mesmo tempo. Faço isso sempre, com livros de assuntos muito
diferentes, que vão dos temas relativos à minha área profissional até os temas
que mobilizam meus afetos (música, artes visuais, biografias, etc.). Um dos
livros que li com afinco foi a biografia de Torquato Neto, por Toninho Vaz,
cujo final adiei o quanto pude, enquanto eu lia inclusive material específico
do meu trabalho como professor. Junto com a de Torquato, eu lia a incomum
biografia de Aracy de Almeida.
Incomum porque Eduardo Logullo, o editor-autor, não segue
o formato usual das biografias (a narrativa da vida do biografado a partir de
uma cronologia que finda com sua morte). Na realidade, o livro é um conjunto de
fragmentos: textos do biógrafo, textos de outras pessoas, frases da própria
Aracy, fotos, reprodução de documentos, frames de filmes ou programas de
televisão, entrevistas... Tudo isso dividido em capítulos temáticos que reúnem
os fragmentos associados entre si pelo assunto.
Conheci Aracy de Almeida como jurada de programas de
calouros, principalmente o de Sílvio Santos. Sua figura enjoada fez parte da
mitologia televisiva de muita gente; isso porque ela era impiedosa com quem
cantava mal ou não articulava bem as palavras na hora de cantar na competição.
Depois, na adolescência, descobri que ela tinha sido também cantora – por meio
de uma revista sobre música (não lembro mais se era a SomTrês ou a Bizz) que
apresentou resenha de um relançamento de Aracy, ainda quando nem existia CD. O
que me causou assombro não foi saber que Aracy era cantora (afinal várias
celebridades da TV nos anos 70 e 80 atacavam nessa área – a exemplo das atrizes
Sônia Braga e Elisângela, dos apresentadores Chacrinha e Hebe Camargo, dos
atores Francisco Cuoco e Maurício Mattar e por aí vai...). O que me causou
assombro mesmo foi ler, nas palavras do crítico sobre o disco de Aracy, que ela
era a Billie Holiday brasileira, na mesma época em que Lady Day fazia sucesso
no hemisfério norte (a partir dos anos 30 e 40), só que cantando sambas de Noel
Rosa e outros gênios daquelas décadas. Tempos depois, com o surgimento dos CDs,
comprei uma coletânea com músicas gravadas por ela entre os anos 1930 e 60. E depois
outros. Sempre os ouço. E acho Aracy uma figuraça, super liberada, desbocada –
devia ser em seu tempo o que hoje se chamaria de descolada, estilosa, uma
modernosa que colocaria (na minha fantasia) qualquer hipster no chinelo.
A leitura do livro só renovou meu respeito pela cantora
que aprendi a admirar. Como se não bastasse, a edição é linda, toda ilustrada,
trazendo a já famosa nas redes sociais Aracy-Ziggy na quarta capa. Só faço
ressalvas à revisão final do texto, que deixou passar certos deslizes; e ao
fato do livro não ter uma ficha catalográfica, dando a entender ao leitor que
não é fácil incluir esse livro numa classificação editorial... Mesmo assim, a
obra é um feliz achado para que gosta de biografias e, mais ainda, para quem
aprecia conhecer detalhes das figuras importantes da música brasileira.
Depois de ler o livro Eduardo Logullo, a pessoa fica
pensativa: Aracy foi uma artista fascinante, desde o primeiro dia em que saiu
de casa sem permissão e foi cantar. Fascinante (e até engraçada) em suas
tiradas desabusadas, nas gírias que morreu dizendo, nos palavrões costumeiros,
no enfado que aparentava ter com jornalistas, etc., etc., etc., a despeito de ela não ter podido ou não ter querido ser mais
escancarada em relação a certos detalhes de sua vida pessoal... Deveria ser
tratada como heroína outsider, mas
parece que só vale mesmo outsiders
gringos para o raso repertório de personagens outsiders brasileiros que povoam o imaginário de tanta gente que
nunca ouviu falar de Aracy de Almeida.
LOGULLO, Eduardo. Aracy de Almeida: Não tem tradução. São
Paulo: Veneta, 2014.
(Estão
reproduzidas acima a capa e a quarta capa, cujas ilustrações foram feitas,
respectivamente, por Michel Mendes e Higo Joseph).
Eu também tenho listas. Mas elas sempre acabam sendo refeitas, atropeladas por novos livros que chegam - a curiosidade às vezes complica todas as ordens possíveis para minhas listas de leitura.
Leia mesmo esse livro. Vale muito a pena: Aracy era realmente fascinante e o livro de Eduardo Logullo é ótimo.
Obrigado pela apreciação, Elis. O lado cantora da Aracy é o principal lado dela, além do lado humano, é claro. Por isso essa biografia é tão interessante, já que esses dois lados são os fios condutores do livro.
Amei a resenha, Miguel, taí um livro que pretendo ler futuramente (tenho listinha simmmmm rs).
ResponderExcluirEu também tenho listas. Mas elas sempre acabam sendo refeitas, atropeladas por novos livros que chegam - a curiosidade às vezes complica todas as ordens possíveis para minhas listas de leitura.
ExcluirLeia mesmo esse livro. Vale muito a pena: Aracy era realmente fascinante e o livro de Eduardo Logullo é ótimo.
Desconhecia o lado cantora dela. Obrigada pelo texto. Além de informativo é pessoal e gostoso de ler.
ResponderExcluirObrigado pela apreciação, Elis. O lado cantora da Aracy é o principal lado dela, além do lado humano, é claro. Por isso essa biografia é tão interessante, já que esses dois lados são os fios condutores do livro.
ExcluirDesconhecia o lado cantora dela. Obrigada pelo texto. Além de informativo é pessoal e gostoso de ler.
ResponderExcluir