o estão mais aqui e
pensam no futuro... A elegância poética leva a uma
delicadeza na condução da cena, o que torna temas espinhosos muito mais
leves. Nesse sentido, o texto parece querer sinalizar que é preciso aprender a
lidar com as nuances escabrosas da vida da maneira mais terna ou é preciso
aprender a conviver com o que não podemos controlar – e nessa tarefa, a ideia da
experiência acumulada na velhice é o vetor encontrado pelo dramaturgo para
materializar tais assuntos nas personagens que vão se construindo com suas
histórias, na interação com o público, tratando de assuntos diversos.
Temas
como a proximidade ou a certeza da morte, as perdas ao longo da existência, o
não poder fazer retornar ou reviver as pessoas que amamos e que se foram, entre
outros vão sendo costurados como se todos estivéssemos
participando de uma conversa de cadeiras na calçada. Nesse aspecto, o fato de
a peça ser encenada na Casa da Esquina (e esse nome agrega simbologias ao
espetáculo) se diferencia dos outros espaços (teatros no sentido
mais usual da palavra), pois parece que estamos ali por perto dessas
personagens oriundas de cidades do interior (ou de alguns bairros da capital
que milagrosamente ainda mantêm a prática das conversas com cadeiras na calçada).
A
proximidade e o contato direto e muito próximo com as atrizes (Samya de Lavor e Tatiana Amorim) em cena, trocando
palavras, olhares e objetos causaram, pelo menos em mim, a sensação de reviver
experiências similares de interação com pessoas idosas, quer fossem de minha
família ou da vizinhança dos bairros onde morei. A localização de cada uma das
atrizes ladeadas pelo público numa estrutura de arquibancada em central total –
duas arquibancadas frente a frente com corredor-palco no meio – favorece um
tipo de movimentação em cena em que atrizes e público ficam num mesmo plano,
como se todos fossem personagens.
Mesmo
o texto tendo seu andamento cênico próprio – amparado no argumento desenvolvido
no texto de Rafael Martins, por sua vez amparado na ideia de lembrança, de
tempo e de passagem do tempo e tudo o que isso traz à experiência humana –, há
um espaço muito interessante para a improvisação. Espaço esse que é preenchido
pela competência das atrizes em exercer a sua presença de espírito, não
perdendo oportunidades de interagir com o público por meio de elementos
diversos: um pedaço de bolo que é distribuído logo de início (elemento da
partilha que conduz a uma cumplicidade com aquela encenação, quase uma comunhão
com o teatro que ali se inicia); pedaços de papel com nomes de avós escritos
pelo próprio público; fotos distribuídas ao público; fotos registradas nos celulares
dos presentes; e o próprio exercício do ato de conversar .
Aliás,
o apelo aos celulares dos presentes conjuga-se com o cartão de memória de 2
giga mencionado na peça. Esses elementos materiais da contemporaneidade fazem
contraponto com objetos que remetem a tempos passados, ao mesmo tempo em que
promovem uma tensão (ou provocação do riso) pelo uso de um vocabulário que hoje é associado a um sabor
de antiguidade, expressões que são do interior, mas em larga medida são usadas
ainda com naturalidade pelos que estão mais idosos.
[continua...]
Miguel Leocádio Araújo
Obs.: A foto foi fisgada do site do Grupo Bagaceira.
Trilha sonora (que não é escolha minha, mas reproduz uma das canções que é reproduzida no ambiente antes do espetáculo):
Trilha sonora (que não é escolha minha, mas reproduz uma das canções que é reproduzida no ambiente antes do espetáculo):
Nenhum comentário:
Postar um comentário