Quem
diz que os anjos não têm idade ficará contrariado e surpreso com Ângela e
outros anjos, personagens de O anjo do
lago, livro de Socorro Acioli (cuja 1ª edição é 2006) destinado ao público
juvenil, na primorosa edição da Editora Biruta, de São Paulo, com ilustrações
de Mariana Zanetti, nas quais o azul celeste, o verde água e o misterioso
branco predominam.
Trata-se
de uma poética e misteriosa história em torno das descobertas da protagonista,
um doce anjo-menina-adolescente de 14 anos, que narra em primeira pessoa (quase
como confissão num diário íntimo) sua experiência em desvelar os mistérios
envolvidos na sua primeira missão: proteger o Lago dos Segredos, mote para a
ideia de desvendamento que perpassa todo o livro e só se resolve inventivamente
nas páginas finais, deixando curioso o leitor, à espera da resolução e do
entendimento das razões que levam o sereno anjo protetor a realizar a tarefa de
cuidar de um lago, quando a tradição reza que os anjos da guarda, pelo menos
eles, protegem pessoas. Essa é apenas uma das surpresas reservadas pela
narrativa de Socorro Acioli aos leitores habituados a histórias com personagens
celestiais de tão alta estirpe, quer estejam elas nos livros, nos filmes (Win
Wenders foi um dos cineastas que contou histórias com personagens anjos) ou em
outras manifestações culturais, cujo leitmotiv circule em torno do que se passa
em planos outros que não o da vida empírica, concreta, prática, cotidiana.
Aliás,
a aproximação com o cotidiano é uma das virtudes de O anjo do lago. Os personagens, as ambiências e os objetos do
dia-a-dia dos anjos são quase os mesmos que o leitor conhece. Ângela tem pais e
passa a ter, no decorrer da trama, um "amigo" que pode vir a se
tornar um algo mais... Sim, porque nesta história os anjos podem amar, já que
são seres fadados ao amor àqueles ou àquilo que protegem. Neste sentido, o
livro pode agradar aos jovens leitores em vias de descobrir o amor, a paixão...
Mas não só.
Cada
personagem-anjo guarda sua própria idiossincrasia. Por exemplo: o Sr.
Bartolomeu é sério e sábio; a Sra. Berta é alegre e excêntrica, inclusive no
vestir; o jovem anjo Tiago é belo e talentoso artista. A exposição das
qualidades de cada um torna-se ainda mais cabível num universo em que esses
seres etéreos escovam os dentes, limpam e organizam o espaço em que vivem,
trabalham em instituições como o Departamento de Trabalhos e Missões ou o
Departamento do Destino, espécies de repartições de utilidade pública,
administradoras dos serviços prestados pelos anjos que descem à Terra para
cumprir suas tarefas.
São
anjos que até mesmo leem livros, inclusive a protagonista. Ela leva para sua
primeira missão dezenas de livros que, no início de sua tarefa de proteger um
lago cheio de segredos, servirão de fonte de prazer, de aprendizado e de
alimento à sua imaginação adolescente. Esta dimensão da leitura se envolverá
com a escrita, pois Ângela também escreve. Inicialmente um diário, depois... só
Deus sabe o que escreverá, mas o fará bem, pois esse é o desvendamento de um
dos segredos que a vivência na pequena ilha no meio do lago lhe proporcionará.
A
temática da leitura na obra infanto-juvenil de Socorro Acióli não é inédita.
Desde Bia que tanto lia (Ed.
Demócrito Rocha, 2004), a escritora tem explorado os encantamentos do mundo da
leitura, sobretudo no que diz respeito às personagens-crianças. O que
diferencia este livro dos anteriores – É
pra ler ou pra comer: A história da Padaria Espiritual para crianças (Ed.
Demócrito Rocha, 2005), A casa dos benjamins
(São Paulo, Ed. Caramelo, 2005), O
peixinho de pedra (Ed. Demócrito Rocha, 2006) – é que a temática abordada
se desloca do universo da cultura e da história cearenses para dar lugar a um
voo bem mais livre em relação aos compromissos com o real empírico, no que
concerne à adesão ao contexto histórico e aos costumes de um povo. Dessa forma,
a escritora oferece uma narrativa que indicia suas habilidades em criar uma
história que abre espaço para o inusitado da representação do possível, desobedecendo
a rigidez dos desígnios miméticos da prosa de ficção que muitos insistem em
preconizar.
Mesmo
guardando certos elos com o real, até para poder angariar a cumplicidade dos
leitores às situações vividas por Ângela, em O anjo do lago, a opção narrativa (e, neste caso, imaginativa) pelo
universo etéreo dos anjos parece nos querer dizer que sobrevoar a história de
Ângela é viajar nas asas da imaginação, dos segredos e dos desejos.
ACIOLI, Socorro. O
anjo do lago. São Paulo: Biruta, 2006.
Miguel Leocádio Araújo & Daniele Barbosa Bezerra
[Obs.: Este texto, escrito a quatro mãos, foi
publicado há dez anos (em 2006) no site Dobras da Leitura, de Peter O’Sagae, hoje
convertido em blog. Fiz algumas pequenas alterações e mínimas atualizações no texto.]
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