Eduardo Campos
(1923-2007) é um dos nomes mais conhecidos e foi um dos homens de letras mais
trabalhadores do Ceará. Com quase uma centena de títulos – livros, artigos e
crônicas para periódicos, além de outras produções –, este cearense de Guaiúba
destacou-se pelo constante trabalho cultural nos campos da literatura, do
teatro, da história e de diversos outros saberes, sintetizando o que se poderia
chamar de polígrafo, um escritor que produz em diversos gêneros e setores do
pensamento, sem deixar de privilegiar o espaço que escolheu para viver: a
cidade de Fortaleza, tema de inúmeras de suas obras.
A consagração
veio pelo teatro num período em que as filas para ver “O Morro do Ouro” e “A
Rosa do Lagamar” ultrapassavam os limites do imaginável, sendo um dos preciosos
momentos da vida cultural fortalezense. O reconhecimento como escritor para
teatro se deu por meio da publicação das suas peças, tanto em separado como em
volumes que reúnem seu teatro completo, além de Três peças escolhidas (2007).
Como o título
já anuncia, trata-se de uma seleção de textos dramatúrgicos, talvez dos
melhores que o autor produziu. As peças giram em torno de temáticas urbanas,
tomando Fortaleza como espaço das ações, mais especificamente a realidade das
camadas mais pobres da população, simbolizando uma existência que não se
circunscrevia apenas à dos personagens ali implicados, mas de muitos
fortalezenses desvalidos.
Aliás, pode-se
falar numa dimensão simbólica dos personagens, mais visível em alguns nomes
presentes em “O Morro do Ouro”: Madalena (referência à Maria Madalena bíblica),
Zé Valentão (como o nome já diz, um homem, cujo maior atributo é a suposta valentia),
Seu Fortuna/Ezequiel (nomes adequados às situações profissionais do personagem,
vendedor de apostas do jogo do bicho e, depois, de santinhos), além do
procedimento de não nomear alguns personagens, tais como o Aleijado, a Mulher
(deste), a Monitora, com a utilização de termos mais genéricos. Em “A Rosa do
Lagamar”, a protagonista, apesar de ter saído do bairro de origem, não consegue
se livrar do complemento ao seu nome, Maria Galante faz jus ao “galante” de seu
nome, pois é namoradeira.
Cada um dos
textos apresenta uma problemática social nada simplória, sendo ainda atuais
algumas das críticas apresentadas. Na primeira peça, mostram-se as condições de
vida num bairro pobre, o descaso e a exploração das autoridades, a hipocrisia
da caridade forçada das classes abastadas, a suposta redenção pela fé e pelo
apego à família. Já na segunda peça, surge o problema da moradia, do
analfabetismo, do esfacelamento familiar e da intransigência do poder em
relação à condição do outro, quando este outro é o pobre. Na terceira, “A
donzela desprezada”, apesar do título um tanto ingênuo, apresenta uma temática
nada ingênua, pois trata das desventuras de uma moça, num meio social hostil à
verdade, na tentativa de segurar o namorado, fazendo, no entanto, uma severa
crítica à imprensa e sua sede de notícias ruins, explorando, sobretudo, o
vale-tudo da ocultação do que é verdadeiro.
O que as três
peças têm em comum é a revelação do universo das populações pobres numa
Fortaleza que parece avessa a fazer a partilha das benesses do desenvolvimento.
Neste sentido, as problemáticas urbanas experimentam o vigor de uma dramaticidade
urgente nas peças, concebidas em diálogos curtos e diretos e cenas que revezam
os costumes, o cotidiano e a angústia das transformações ocasionadas por lances
inesperados que a vida prepara para seres que, embora fortes, são abandonados à
sua própria sorte.
A paisagem
coletiva nas peças identifica-se com a postura naturalista de escritores como
Aluísio Azevedo (em O cortiço) ou
Adolfo Caminha (em A normalista),
embora o teatro de Eduardo Campos não pertença a este período. Na verdade, o
autor e seus textos identificam-se mais com o advento do moderno teatro
brasileiro (que tem na figura de Nelson Rodrigues seu nome mais significativo)
e, mesmo, com o teatro social ou engajado (representado pelas figuras de
Oduvaldo Viana Filho, Plínio Marcos, Gianfrancesco Guarnieri e outros). Com
suas peças, Eduardo Campos construiu uma cidade que precisava ser mostrada como
uma espécie de grito indignado, sem final feliz.
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