Entre janeiro
e março de 2016, houve uma exposição no Espaço Cultural dos Correios, em
Fortaleza, que era uma maravilha. Seis fotógrafos – Iana Soares, Markos
Montenegro, Paulo Gutemberg, Sérgio Carvalho, Silas de Paula e Vanessa Andion –
oriundos de diferentes lugares, com experiências bem variadas entre si e
formações diversificadas, além de estéticas heterogêneas, realizaram um
trabalho que tinha em comum o olhar para um mesmo lugar: Irauçuba, localidade sertaneja
encravada na região norte do estado do Ceará (identificada com a macrorregião
do sertão sobralense), cujo topônimo significa “caminho das abelhas”, título da
mostra.
A exposição já
impressionava pelas demarcadas sensibilidades individuais de cada artista no
tratamento temático e pelas diferentes opções estéticas na captação das
paisagens, das pessoas, das coisas, dos detalhes que poderiam compor um sem
número de narrativas visuais das muitas Irauçubas – tanto as presentes nos
olhares dos fotógrafos quanto as criadas na imaginação do espectador (a partir
da imagem contemplada).
Agora também
impressiona o catálogo da exposição “Caminho das abelhas”, que me chegou às
mãos esses dias e me remeteu à experiência de visitar os trabalhos fotográficos
da exposição do Espaço Cultural dos Correios, com aquela vontade de voltar a se
deixar tomar pela imagem e contemplar o que ela conta.
Publicado pela
editora Tempo d’Imagem, numa edição bem cuidada e com uma qualidade gráfica
excepcional, o catálogo traz excelentes artigos de Silas de Paula e Paulo
Gutemberg, que agregam informações preciosas para quem não é da área de
fotografia e tampouco tem informações sólidas sobre o sertão da região de
Irauçuba e a sua ligação com o tema da desertificação, processo pelo qual a
região vem passando, acentuado pela constante seca que assola o lugar. A leitura
desses dois textos abrem possibilidades novas de “reler” as fotografias, agora
em livro. Cada série (de cada artista) é introduzida por um pequeno texto que remete
à experiência individual diante da cidade, do sertão e do ato de fotografar
aquele tema.
A beleza e a
poesia dos trabalhos é o fio condutor do catálogo. Particularmente me
impressionou: o jogo de claro e escuro de Markos
Montenegro (sobretudo na fotografia do “homem sem cabeça”, que me lembrou retratos
de figuras humanas do período barroco, que mostravam e escondiam o tema sob luz
e sombra); as sugestões geométricas de Sérgio
Carvalho (a sucessão de linhas retas que vão se reconfigurando e se
desfazendo de baixo para cima na fotografia em que aparece uma igrejinha vista “pelas
costas” é exemplo dessas sugestões); os instantes de afetos de Iana Soares (a fotografia da nuvem
insólita sobrevoando a galharia seca é de intensa dramaticidade, assim como o
registro da mulher de blusa listrada diante de uma parede que mais parece uma
ruína – essa mulher parece uma santa vestida por um véu de pedra numa abóbada
azul se deteriorando, reforçando a dramaticidade pelo gesto ambíguo de esconder
parte do rosto, sem deixar o espectador ter a certeza do sentimento expresso
nesse gesto); as texturas quase impressionistas de Silas de Paula (a fotografia do lago – ou açude – quase seco, com
sua réstia de água esverdeada, pontuado por arabescos formados pelo solo
rachado que dominam o espaço da composição, parece remeter à ideia de tempo tão
cara aos impressionistas); os trípticos de Vanessa
Andion, que parecem querer apresentar as pessoas entre os lugares e as
coisas que lhes traduzem; as oscilações entre o estático e a sugestão de
movimento de Paulo Gutemberg (o
trabalho de metalinguagem na fotografia em que a sombra do fotógrafo é parte do
chão seco, fundindo-se à matéria fotografada é sugestiva dessa oscilação).
O catálogo
estaria completo se as indicações a respeito de cada um dos trabalhos ali reproduzidos
estivessem detalhadas, como convém a um livro de arte. Indicações dos títulos
das obras (e mesmo quando não têm nome, indicação do “sem título”), das
dimensões, do material em que foi reproduzido para ser exposto ou qualquer outra
informação que valorize a materialidade da obra são sempre necessárias numa
publicação que pretende fazer o registro de uma ação cultural importante, como
foi a exposição “Caminho das abelhas”. É o único senão do catálogo; e tenho
observado que a ausência do detalhamento das informações mais “técnicas” dos
trabalhos de arte registrados em catálogo e livros tem ocorrido com certa frequência.
Mas isso já é assunto para outro texto...
SOARES, Iana et al. Caminho
das abelhas. Fortaleza: Tempo d’Imagem, 2016. 96 p.
Miguel Leocádio Araújo
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