Os
historiadores da literatura brasileira costumam marcar o início do Romantismo
no país em 1836, ano da publicação da obra inaugural Suspiros poéticos e saudades, com poemas de Gonçalves de Magalhães,
mas também ano do nascimento de Juvenal Galeno (1836-1931), em Fortaleza. Esta
coincidência leva a crer que o mais significativo poeta romântico local nasceu
com a própria estética à qual se ligou em toda a sua vida literária, com uma
obra diversa, espalhada em livros e periódicos do Ceará e de outros estados
Quando
se fala em Juvenal Galeno, é inevitável a referência ao Romantismo, estilo de
época que encorpou a produção artística nacional, dirigindo-a a um processo de
nacionalização cultural cada vez mais acentuado, até franquear por completo as
imagens do cotidiano, dos costumes e da mentalidade atribuídas ao brasileiro,
em suas muitas facetas – algo que se costuma dizer das vertentes do Modernismo nacional,
em alguns aspectos devedor do Romantismo. Mas foram os escritores românticos
que primeiro sistematizaram essa vontade de voltar-se para um modo de produzir
arte que fosse mais próximo dos falares e fazeres praticados na nação. E
Juvenal, como fiel romântico que foi, não deixou de captar esse espírito e foi
buscar nas fontes populares a matéria para a produção da maior parte de sua
obra, à maneira de alguns românticos europeus de primeira hora, como Goethe,
que observou o teatro popular praticado na Renânia para ensaiar obras que de
alguma forma pudessem remeter àquele espírito popular.
Mas
esta preocupação não parece ter sido tácita no Romantismo brasileiro, majoritariamente
ligado às representações das camadas médias da população urbana, sendo que o
popular aparece de certa forma como coadjuvante, algo pitoresco ou mesmo
anedótico, salvo algumas exceções. Juvenal Galeno foi na contracorrente desta
ideia e fez da cultura popular, da simplicidade e dos temas e técnicas até
certo ponto pouco prestigiados na poesia livresca, a motivação mais patente de
sua produção tanto em verso quanto em prosa, tendo sido por isso elogiado por
companheiros de ofício, como José de Alencar ou Gonçalves Dias.
Por
exemplo, seu livro Cenas populares
(publicado em 1871), o primeiro volume de contos lançado no Ceará, como bem lembra Sânzio de
Azevedo, circula em ambientes variados, em atmosferas diversas, com personagens
heterogêneos, tendo como princípio orientador de todas as histórias ali
apresentadas a exploração da temática regionalista, bem como o aproveitamento
de alguns dos procedimentos caros românticos, como a apresentação da natureza
como lugar da felicidade, da ordem e da plenitude. Além disso, o autor não
despreza sua experiência como poeta e observador das manifestações poéticas da
oralidade e pontua aqui e ali suas narrativas com versos, quadras, poemas
inteiros, nos quais se percebe a procedência popular desta poesia, dando leveza
às narrativas, como era de se esperar de um escritor cioso dos desígnios da
estética abraçada. O livro recebeu uma edição recente, a quarta, pela Secretaria de Cultura do Ceará (SECULT), preparada por Sânzio de Avezedo, em 2010, no âmbito da reedição da obra completa do escritor (disponível em PDF no site do Governo do Estado do Ceará).
Outra
dimensão temática significativa da obra de Juvenal Galeno é o cotidiano,
prevalente em sua poética, amparada na vida e nos costumes do homem simples do
sertão e do litoral. Neste sentido, Galeno antecipa a aceitação de um dado do
estabelecimento temático da poesia brasileira que só seria plenamente
assimilado com o amadurecimento da poesia de Manuel Bandeira: o cotidiano é
alçado à condição de tema lírico tanto quanto os temas considerados nobres, consagrados
pela tradição literária.
Enquanto
longeva figura do Romantismo brasileiro, Juvenal Galeno acompanhou o surgimento
de outras estéticas, tais como o Realismo-Naturalismo, o Parnasianismo, o
Simbolismo e o Modernismo, sempre respeitado como homem de letras, mantendo
contato constante com as gerações mais jovens. Não à toa, ao folhearmos as
coleções dos periódicos A Quinzena (ligado
à cena realista em seus primórdios em Fortaleza) ou O Pão (conhecido jornal da famosa Padaria Espiritual), entre outros,
é possível encontrar textos de Juvenal Galeno, quase sempre poemas românticos,
demonstrando sua filiação e sua fidelidade ao estilo de época nascido com ele
próprio, em 1836.
[Este texto foi publicado no jornal O Povo, em 30.09.2006, no caderno Vida&Arte, na ocasião em que se comemoravam os 170 anos de nascimento do poeta. Retomei-o fazendo algumas alterações, inclusive no título.]
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