Fui
rever a peça “Caio e Léo” no Teatro Universitário. Já tinha visto no Teatro do
Dragão do Mar e havia ficado impressionado com o texto e com o trabalho da direção
e dos atores. Por muitas questões, que me afetam pessoalmente. Ainda assim, é
novidade eu escrever aqui sobre minha experiência diante de um trabalho
artístico no campo das artes cênicas na contemporaneidade, já que olho muito,
mas não escrevo nada, nem sei por quê... De qualquer modo, são muitas as
questões que acredito estarem implicadas no espetáculo e que me mobilizam a
escrever sobre.
Inicialmente,
é a solidão de Caio (Ari Areia) que ressalta: ele está inteiramente só, sob uma
luz que sugere o pôr do sol, tendo como trilha o barulho do mar. Ele espera
alguém que não veio, possivelmente a namorada; o rapaz acha que o relacionamento
terminou. Acaba por conhecer seu avesso, Léo (Tavares Neto), o desconhecido que
quer se lançar ao infinito do mar e em seu gosto pelo nado, sendo impedido pelo
medo de Caio. A impressão de solidão se desfaz com esse encontro, mas, em outros
momentos, ela é retomada pela ausência de um dos atores. Ainda assim, a
contradição entre eles permanece: Caio é o pragmático especialista em
planejamento, com vida organizada, hora marcada e caminhos bem traçados; Léo é
o intuitivo fotógrafo de cadáveres que deseja captar o vento em suas lentes –
livre, experimentador, belo em sua coragem. O medo e o desejo se encontram.
O
tema da negação amplia as contradições apresentadas no texto: Caio quer ser
fotografado por Léo, mas este se nega a fazê-lo. Por outro lado, Léo convida
Caio a mergulharem juntos, mas este recusa. Assim, o não comparece constantemente
no diálogo e no desenvolvimento dessa relação, em que as diferenças e as
contradições sobressaem. Numa cena, Caio perdeu a localização de seu carro e
não quer ir embora com Léo, que havia sugerido dormirem juntos no apartamento
deste. Quando o carro é achado, é Léo quem não quer ir embora com Caio, que
havia proposto saírem juntos dali. Esses muitos nãos parecem dizer que aqueles
dois não encontram uma via de entendimento, construindo um relacionamento baseado
na impossibilidade.
A
tensão amorosa se materializa pela expressão do desejo, mas também por uma mal
contida violência (tanto verbal quanto física, em cenas que funcionam como
clímax de cada um dos desentendimentos enfrentados pelos personagens). A tensão
é, assim, um erotismo ambivalente, que vai da tentativa de carinho à recusa
quase violenta desse carinho, bem como à realização plena da conjunção erótica.
Aqui o trabalho dos atores é essencial, no sentido de modular essas nuances: do
olhar desejante e terno ao gesto discreto de repreensão; da fala expansiva e
amorosa ao grito expressando ira ao outro.
Na
realidade, “Caio e Léo” fala dos descompassos entre as pessoas nos
relacionamentos. A contradição reside no seguinte: numa relação de amor entre
iguais, não se pode ter posturas de vida e de comportamento mais diferentes e
contraditórias do que as de Caio e Léo. Trata-se do contraste entre o subjetivo
e o objetivo, entre a vontade de viver e experimentar e a vontade de controlar
a vida e a experiência, entre a volatilidade dos sentimentos e a concretude
desses mesmos sentimentos. É a complexidade da própria vida dos indivíduos em
processo de entrega; e os relacionamentos afetivos, eventualmente, não dão
conta dessa complexidade, gerando a narrativa desencontrada, a fala interrompida,
o gesto fundo da dor. Nesse sentido, a peça tematiza as relações amorosas
atravessadas pelo desamor.
[Continua]
Não sei o que mais me encantou, se o enredo da peça ou a maneira que você o mostrou... Achei, a partir do seu olhar sobre, que essa história é alguma coisa mais que linda... é sedutora por essas contradições/contrariedades, por esses "nãos" tão simbólicos (ah, eu nunca fui muito ligada a romances românticos de receitas clichês ou de finais de novela das 8, por isso essa história de Caio e Léo me encantou).
ResponderExcluirAdorei essa atmosfera entre medo e desejo numa tensão erótica... e adorei também tudo e principalmente essa parte que você escreveu: "A tensão é, assim, um erotismo ambivalente, que vai da tentativa de carinho à recusa quase violenta desse carinho, bem como à realização plena da conjunção erótica. Aqui o trabalho dos atores é essencial, no sentido de modular essas nuances: do olhar desejante e terno ao gesto discreto de repreensão; da fala expansiva e amorosa ao grito expressando ira ao outro.".
Muito bom seu olhar (muito lindo viu, pois cada olhar uma sensibilidade diferente), ele me deixou louca de vontade de assistir essa peça/história de amor em volta a caminhos do desamor... </3
Obrigada por compartilhar isso.
Bjss!!!
Lizandra, obrigado pelo comentário. Que bom que gostou, principalmente do enredo da própria peça. Vamos ver se marcamos uma sessão com mais colegas do Sertão Central, para vermos a peça e comentarmos depois. O que acha? Abração.
ExcluirMuito bacana. Vamos divulgar a peça e essa ideia e dependendo do que acontecer nós combinamos/acertamos!!!
ExcluirIsso aí!! Vamos mesmo!
ExcluirNão vi a peça, mas posso dizer que são essas fragilidades humanas que nos fortalecem ou, pelo menos, nos ajudam a nos definir. Parabéns pelo texto, Miguel. Bastante lúcido e indagador.
ResponderExcluirLu Viana, obrigado por comentar. Você precisa ver a peça! É muito bacana.
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