Quem passa ou se demora por Quixadá-CE
sabe da presença do Cego Aderaldo no imaginário popular local. Nesta cidade há um
monumento ao poeta e um memorial que guarda alguns de seus objetos, entre outros
locais que fazem referência a seu nome ou a sua memória. No entanto, não existe
farta bibliografia sobre essa figura emblemática da cultura cearense.
Para suprir parte dessa lacuna, em 2010, Cláudio Portella
publicou uma biografia para a Coleção Terra Bárbara, das Edições Demócrito
Rocha, livro que veio acenar para a renovação do interesse pela produção
poética do Cego Aderaldo, bem como por seu percurso de vida. No entanto, pelas
próprias dimensões dos livros da Coleção, havia a necessidade de ampliar o
volume e a circulação de informações a respeito desse personagem, o que é feito
com Cego Aderaldo: a vasta visão de um
cantador, publicado em fins de 2013, pela editora Escrituras, de São Paulo,
e lançado em Fortaleza, em evento na Livraria Cultura, em março de 2014.
O livro de Portella traz dados sobre a
trajetória de Aderaldo, relatando os lances mais relevantes de sua vida pessoal
e apresentando os fatos mais curiosos e, em alguns momentos, divertidos de seu
percurso como cantador-poeta: os encontros, as amizades construídas ao longo da
vida, as viagens e os desafios-pelejas que protagonizou.
A história de vida do Cego Aderaldo
cruza-se com a de algumas outras figuras bastante emblemáticas do imaginário
cearense: Padre Cícero, Lampião e Padre Antônio Vieira. Tais cruzamentos nos
dão a impressão de que estamos diante de uma vida marcada por encontros
interessantes, não sem os percalços de uma existência acidentada, desde a
própria cegueira de Aderaldo.
Tal percurso biográfico vem entremeado
por poemas escritos pelo Cego em diferentes momentos de sua vida, oferecendo ao
leitor uma amostra significativa de sua produção. Além disso, quase ao final do
livro, há dois anexos que agrupam “Motes e glosas” e “Poemas”, o que dá ao
leitor não só a oportunidade de conhecer mais de perto uma parte da obra do
poeta e o lugar ocupado por alguns de seus poemas na própria vida do cantador.
E aí reside uma das principais
qualidades do trabalho de Cláudio Portella: instigar o leitor à fruição de uma
poética representativa de uma tradição local ainda por se conhecer melhor.
Inclusive, uma decorrência possível da leitura desses poemas é a busca por outros
textos do poeta que ainda não se encontram compilados – tarefa que poderia
muito ser encampada por professores e alunos de Letras do Sertão Central que se
interessam pelos temas e procedimentos da chamada poesia popular.
O livro é fruto de pesquisa rigorosa,
mas o resultado é vertido em uma linguagem simples e direta, sem enveredar pelo
vocabulário acadêmico em circulação no campo dos estudos sobre cordel,
literatura popular e oralidade, o que deixaria o texto muito mais voltado para
um público específico. Além disso, a edição é repleta de imagens, que vão de
fotografias até partituras, passando por capas de cordéis e histórias em
quadrinhos. Trata-se de um material rico, que estimula a querer conhecer mais
sobre este personagem. Como fonte, poderia servir de ponto de partida para
pesquisas que estudassem os textos deixados pelo Cego Aderaldo, patrimônio
maior com o qual ele construiu seu nome e as lendas que o envolvem.
Miguel Leocádio Araújo
P.S.: Circulando pelo youtube, encontrei duas músicas bem interessantes que tematizam o Cego Aderaldo. Uma delas é "Cego Aderaldo", poema de Marcus Accioly e música do cearense César Barreto, no disco "Nordestinados" (1980):
A outra música é de Luiz Gonzaga, em homenagem ao centenário do Cego Aderaldo:
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